segunda-feira, 4 de abril de 2016

MANUAL DE DESPEDIDA PARA MULHERES SENSÍVEIS



É importante passar palavra. No último livro de Filipa Leal mora a poesia. Se lerem alhguma opinião assim-assim nalgum jornal, não liguem. Os jornais trazem muitas vezes opiniões à toa. Ocupam o espaço assim-assim ou pior ainda.
Por isso vos digo:
peguem neste livro intitulado "VEM À QUINTA-FEIRA" e leiam-no. Fala de pessoas, fala do amor, fala da da separação, fala da distãncia, fala do pai e da mãe, fala de um país. É poesia viva. Não se esqueçam: leiam este livro.


Ser digna na partida, na despedida, dizer adeus com jeito,
não chorar para não enfraquecer o emigrante,
mesmo que o emigrante seja o nosso irmão mais novo,
dobrar-lhe as camisas, limpar-lhe as sapatilhas
com um pano húmido, ajudá-lo a pesar a mala que não pode levar mais de vinte quilos
(quanto pesará o coração dele? E o meu?)
três pares de sapatos, um jogo de lençóis, o corta-vento,
oferecer-lhe a medalha que a Mãe usava sempre que partia
e que talvez não tenha usado quando partiu para sempre,
ter passado o dia à procura da medalha pela casa toda
(ninguém sai mais daqui sem a medalha, ninguém sai mais daqui),
pensar que a data escolhida para partir é a da morte da Mãe,
pensar que a Mãe não está comigo para lhe dobrar as camisas
e mesmo assim não chorar, nunca chorar,
mesmo que o Pai esteja a chorar, mesmo que estejam todos a chorar.
tomar umas merdas, se for preciso:uns calmantes, uns relaxantes,
uns anti-oxidantes para não chorar; andar a pé para não chorar,
apanhar sol para não chorar, jantar fora para não chorar,
conhecer gente,
mas gente animada, pintar o cabelo e esconder as brancas,
que os grisalhos são mais chorões. dizer graças para não por também
os amigos a chorar, os amigos gostam de nós é a rir, ver
séries cómicas
até cair, acordar mais cedo para lhe fazer torradas antes da viagem,
com manteiga, com doce de mirtilo, com tudo o que houver
no frigorífico,
e não pensar que nunca mais seremos pequenos outra vez,
cheios de Mãe e de Pai no quarto ao lado,
cheios de emprego no quarto ao lado, quando ainda existia Portugal.

É tanto o que se pede a um ser humano no século vinte e um
Que morra de medo e de saudade no aeroporto Francisco Sá
Carneiro.
Mas que não chore.

2 comentários:

Licínia Quitério disse...

Como eu gosto de a ler. E de a ouvir. Tem uma poesia muito sensível, profunda mas de grande frescura. Acho eu.

Lídia Borges disse...


Tenho-o comigo. Poesia, com tudo!

Bem haja!

Lídia