quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

POSTERIDADES


A Ana Luísa é uma poetisa de grande consistência na escrita e de olhar subtil sobre o mundo que nos cerca.

ANA LUÍSA AMARAL (1956)

POSTERIDADES


Escrevo para a posteridade
do que é nada:
uma lupa tombada
sobre o corpo,
uma almofada lisa,
pequeno pára-quedas
de ternura

[Devia estar amarrotada,
a almofada,
mas não está: está lisa.
Se não, ficaria espraiada
por futuro]

Escrevo para o meu filho
que é de nada,
varão que não possuo:
uma filha com olhos
de transparência tal
de pára-quedas
que um nó de vento
os tornaria muros

[Devia ter mil nós
o pé
da minha filha,
mas não tem: é livre.
Por isso é que é
de tudo]

E em relação
à lupa,
façam os entendidos
o que quer:
um século daqui,
descubram-lhe a
verdade.

[Ponha-se aí a rima
que quiser:
coberta de veludo]

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