sexta-feira, 9 de novembro de 2007

CARTAS AO MEU FILHO (2)

Meu querido filho,


Um dia, quando eu te fiz a pergunta sacramental, o que é que queres ser quando fores grande?, tu respondeste-me muito tranquilamente que querias ser pintor.

Eu tremi. E é irónico um poeta a tremer, a temer, quando o filho lhe diz que também, à sua maneira, quer ser poeta. Eu tremi, meu filho. E sei porque é que tremi.

Percebi desde logo que tinhas escolhido o caminho mais belo e, se calhar, por isso mesmo, o mais difícil. Aquele que está mais afastado do mundo mecanicista em que vivemos. Aquele que te vai fazer voar até alturas impensáveis e mergulhar no mais fundo de ti e dos homens teus irmãos.

Vais trabalhar com as mais complexas matérias que habitam desde sempre o coração dos homens: os símbolos. Tu sabes, já sabes hoje, que os símbolos são as palavras e as formas que desde sempre nos permitiram dialogar com as nossas angústias e os nossos medos mais fundos. São as chaves que te permitirão entrar em terríveis e complexos labirintos cuja saída só tu poderás encontrar.

Mesmo assim, sabendo tudo isto, escolheste o caminho mais difícil, aquele que te vai trazer muito mais dúvidas que certezas, muito mais infinito que descontos para a reforma.

Vais trabalhar sem repartição nem horário. Levarás o teu ofício colado à pele para todo o lado. Não poderás fugir a essa febre. Tudo, a lágrima e a dor, a revolta e o júbilo, o pão e o vinho, a tua juventude e o teu envelhecimento, um corpo de mulher e um riso de criança, tudo te vai servir de matéria prima. Estás condenado a uma fantástica doença.

Tem sido um pouco assim a minha vida e, pelos vistos, à tua própria maneira, assim será a tua. Os teus passos vão levar-te a andar sempre e sempre à volta dessa fome de tudo ao mesmo tempo a que se chama Arte. Arte das palavras, das formas e das cores, da música, da dança. Arte. Tão incompreendida nesta sociedade que tudo quer reduzir ao pacote de margarina, ás pobres vedetas da televisão ou às modas que ainda mal o são e já deixaram de ser.

Não há dúvida de que escolheste o caminho mais difícil. Aquele que ninguém trilhou. Porque é o teu, só teu, e como dizia o poeta espanhol António Machado: “Caminhante, não há caminho/ faz-se o caminho ao andar.”

Vais esbarrar com muitas dificuldades e mais incompreensões. Vais sofrer na pele o ferrete de assistir ao êxito ribombante das vedetas descartáveis, dos opinosos iníquos, dos comerciantes de influências, dos fabricantes de “facas sem lâmina a que lhes falta o cabo”, como dizia o Alexandre O’Neill. Tudo isso vai acontecer enquanto tu atravessas as noites lutando contigo em busca de uma cor azul, de um perfil exacto, de uma grande harmonia ou de um imenso desacato.

Julgo que já não podes voltar atrás. Escolheste o caminho mais difícil. E, por isso, meu filho, estou cheio de orgulho em ti.

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