sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

QUE BELA "GAVETA DO FUNDO"



Às vezes acontece: aparece um poema que nos bate no peito e nos faz parar no meio do bulício emaranhado dos dias. E torna-nos melhores. Mais felizes. Mais gente.Neste caso não é só um poema, é um livro inteiro. Um luxo, neste tempo de fraca poesia. É o caso desta "Gaveta do fundo" do escritor transmontano A. M. Pires Cabral, dado à estampa numa recente e bela colecção de poesia (parabéns pela coragem à Tinta da China, editora, parabéns ao Pedro Mexia, coordenador).

Livro de grande maturidade, de amor à terra, de balanço de uma vida. Li-o emocionado, por vezes comovido. E acredito que esta é a poesia que vale a pena. A que emociona e nos leva para um patamar superior da música das palavras.


AOS MEUS ÓCULOS

Se um dia vos partirdes ficarei
mais à mercê do escuro.

Provavelmente poderei então
nem ler nem escrever nem cortejar
as flores silvestres, as nuvens em castelo,
os pardais disputando uma migalha
- esses frustes amores de fim de tempo.

Deixarei de poder distinguir
um abismo de um simples degrau.

Por isso, vós que sois de vidro quebradiço
como o meu próprio barro,
cuidai-vos em nome de mim.

Paguei-vos, sois meus, deveis-me utilidade.

Faça-se em vós segundo
a minha vontade.


1 comentário:

Lídia Borges disse...


Grata pela sugestão! Gostei muito deste poema.

Lídia