sábado, 6 de setembro de 2014

NO FUNDO DO TEJO

Carlos Queirós viveu pouco e publicou pouco (1907-1949)mas teve uma importância grande na ligação entre o primeiro modernismo português, o da geração da revista ORPHEU e o segundo modernismo, da geração da PRESENÇA.

Sobrinho da famosa Ofélia, a namorada a quem Fernando Pessoa endereçava as suas cartas de amor, Carlos Queirós deixou uma obra curta mas extremamente delicada e cuidada.

Leia-se a sua poesia e encontre-se uma das necessárias raízes para a necessária inovação da poesia portuguesa.


NO FUNDO DO TEJO


Fecho os olhos e vejo
No fundo do Tejo
Uma coisa que oscila ao sabor da corrente;
Que vai e vem, que deambula, rente
Ás pedras e conchas macias e frias,
Dias e noites, noites e dias.

Uma coisa que as águas desfazem sem nojo,
Levando-a de rojo
No fundo do Tejo;
Uma coisa que eu vejo,
Uma coisa que eu sinto e não sei o que é,
- Tão longe de mim, tão fora de pé.

Uma coisa que os peixes, passando em cardumes,
(Coruscantes e belos como lumes),
Ao vê-la, com espanto, mudam de pista,
Como os burgueses fazem ao artista.

Uma coisa que lembra outra coisa que eu vi,
Num sonho que sonhei – mas que há muito esqueci:
Uma coisa pequena e ao mesmo tempo imensa,
Na sua vagabunda e singular presença.

Uma coisa que anda de cá para lá,
De lá para cá,
No fundo do Tejo;
Sem rumo, sem dono, sem nome, sem graça,
- Inútil e triste como a carcaça
De um caranguejo.

Uma coisa disforme, insensível, alheia,
- Mas que inscreve, sem querer, o meu nome na areia!


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