domingo, 7 de dezembro de 2014

40XABRIL


Neste mundo literário à portuguesa, onde reinam pequenos príncipes com balcão de secos e molhados nas páginas pouco literárias dos jornais, se alguém diz muito bem de alguém, vai-se logo pensar aquele role das suspeitas rascas do costume e que, infelizmente, quase sempre, são verdadeiras.

Mal conheço a Catarina Nunes de Almeida. Mas gosto da sua poesia. Gosto cada vez mais. Vai crescendo a cada publicação. Neste excelente livro editado pela ABYSMO, brilha entre vários outros excelentes trabalhos de poetas e ilustradores que, ouvindo a música de José Mário Branco, celebraram os 40 anos do 25 de ABRIL longe e para a frente e para cima dos discursos oficiais.


E se eu não dissesse nada
não me atrevesse mais a escrever
ignorasse todas as tâmaras do mundo os pontos de fuga
nos grandes quadros renascentistas
mais a poluição que ainda vai no adro
e toda a gama de tectos falsos e de capachinhos
disponível na internet?

E se eu fechasse os olhos e o útero e a conta bancária
a todo o anjo que viesse com anunciações
e tarifários ilimitados?

E se eu partisse o antebraço e nunca mais erguesse cartazes
nem cravos nem percorresse a selva que resta com o meu filho
ao colo?
E se eu me recusasse a proferir para sempre uma ave que fosse
uma das que dividem o tempo
uma entre as que salvam?

Ainda assim temo bem
a palavra cegonha romperia a minha mão
em pleno Abril


1 comentário:

Licínia Quitério disse...

Que belo! Vou levar, Fanha. Muito obrigada.