Poeta, ensaísta, daramaturgo, António Cabral desdobrou-se em vários géneros. Transmontano dos sete costados, foi fundador de várias revistas de carácter cultural e literário. Colaborou em inúmeros jornais nacionais e estrangeiros. Professor da Universidade de Trás-os-Montes.
Este poema ouvi-o pela primeira vez na voz do meu amigo Francisco Fanhais. E sempre que ele o canta, ouço-o comovido.
ANTÓNIO CABRAL (1931-2007)
DESCALÇA VAI PARA A FONTE
I
Descalça vai para a fonte
Leonor pela verdura:
vai formosa e não segura.
II
Se tivesse umas chinelas
iria melhor..., mas não:
c’o dinheiro das chinelas
compra um pouco mais de pão.
Virá o dia em que os pés
não sintam a terra dura?
Leonor sonha de mais:
vai formosa e não segura.
Formosa! Não vale a pena
ter nos olhos uma aurora
quando na vida – que vida! –
o sol já se foi embora.
Se os filhos se alimentassem
com a sua formosura...
Leonor pensa de mais:
vai formosa e não segura.
Há verdura pelos prados,
há verdura no caminho;
no olmo de ao pé da fonte
cantas, livre, um passarinho.
Mas ela não canta, não,
que a voz perdeu a doçura.
Leonor sofre de mais:
vai formosa e não segura.
Porque sofre? Nunca soube
nem saberá a razão.
Vai encher a talha de água,
só não enche o coração.
Virá um dia... virá...
Os olhos voam na altura.
Leonor não anda: sonha.
Vai formosa e não segura.
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