sexta-feira, 25 de outubro de 2013

DESCALÇA VAI PARA A FONTE

Poeta, ensaísta, daramaturgo, António Cabral desdobrou-se em vários géneros. Transmontano dos sete costados, foi fundador de várias revistas de carácter cultural e literário. Colaborou em inúmeros jornais nacionais e estrangeiros. Professor da Universidade de Trás-os-Montes.

Este poema ouvi-o pela primeira vez na voz do meu amigo Francisco Fanhais. E sempre que ele o canta, ouço-o comovido.


ANTÓNIO CABRAL (1931-2007)



DESCALÇA VAI PARA A FONTE


I

Descalça vai para a fonte
Leonor pela verdura:
vai formosa e não segura.

II

Se tivesse umas chinelas
iria melhor..., mas não:
c’o dinheiro das chinelas
compra um pouco mais de pão.
Virá o dia em que os pés
não sintam a terra dura?
Leonor sonha de mais:
vai formosa e não segura.

Formosa! Não vale a pena
ter nos olhos uma aurora
quando na vida – que vida! –
o sol já se foi embora.
Se os filhos se alimentassem
com a sua formosura...
Leonor pensa de mais:
vai formosa e não segura.

Há verdura pelos prados,
há verdura no caminho;
no olmo de ao pé da fonte
cantas, livre, um passarinho.
Mas ela não canta, não,
que a voz perdeu a doçura.
Leonor sofre de mais:
vai formosa e não segura.

Porque sofre? Nunca soube
nem saberá a razão.
Vai encher a talha de água,
só não enche o coração.
Virá um dia... virá...

Os olhos voam na altura.
Leonor não anda: sonha.
Vai formosa e não segura.

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