segunda-feira, 14 de outubro de 2013

PROCURAR A RAZÃO


Pedro Tamen será talvez mais conhecido como tradutor, magnífico tradutor entre outras obras dos 10 volutes de "Em busca do tempo perdido" de marcel proust.

Como poeta nunca andou nas bocas do mundo nem nas parangonas. Discreto, primou sempre por umas escrita de exigente artesania, sensível, contidamente emocional.

Não está na moda. Não é de modas. Talvez por isso seja dos poetas que acompanho ardentemente.


PEDRO TAMEN (1934)

NOÉ

Pronto, pronto, eu faço. Dá um trabalhão
mas faço. Corto madeira, arranjo pregos,
gasto o martelo. E o pior também:
correr o mundo a recolher os bichos
coisas de nada como formigas magras,
e os outros, os grandes, os que mordem
e rugem. E sei lá quantos são!
Em que assados me pões. Tu
gastaste seis dias, e eu nunca mais acabo.
Andar por esse mundo, a pé enxuto ainda,
e escolher os melhores, os de melhor saúde,
que o mundo que tu queres não há-de nascer torto.
Um por um, e por uma, é claro, é aos pares
- o espaço que isso ocupa.

Mas não é ser carpinteiro,
não é ser caminheiro,
não é ser marinheiro o que mais me inquieta.
Nem é poder esquecer
a pulga, o ornitorrinco.
O que mais me inquieta, Senhor,
é não ter a certeza de não valer a pena
é partir já vencido para outro mundo igual.


Iremos procurar a razão da giesta
a razão do amarelo
iremos procurar a razão
iremos procurar
e os olhos tomarão todas as cores
as cores de tudo


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