terça-feira, 22 de outubro de 2013
ISTO VAI
João Rui de Sousa é um poeta discreto e de grande qualidade. Nasceu em 1928. Continua a publicar. O seu último livro é "Quarteto para as próximas chuvas", ed D. Quixote. Iniciou a publicação de poesia na revista CASSIOPEIA que fundou com António Ramos Rosa e José Bento.
ÇA IRA
Isto vai, caro amigo.
Não como nós queremos, é certo,
mas isto vai.
Por noites de insónia e alcatrão
por laranjas e lábios ressequidos
por desespero na voz e escuridão
isto vai, caro amigo.
Por mágoas acesas e relógios
pelo sabor dos braços na alegria
pelo odor das plantas venenosas
isto vai, caro amigo.
Pelo cabo axial que liga a nossa esperança
pela luz dos cabelos, pelo sal
pela palavra remo, pela palavra ódio
isto vai, caro amigo.
Pela ternura e pela confiança
pela vontade e força, as nossas casas
pelo fervor com que inventamos (e depois calamos)
isto vai, caro amigo.
Pelos carris do medo, pelas árvores
pela inocência e fome, pelos perigos
pelos sinais fraternos, pelas lágrimas
isto vai, caro amigo.
Pela rudeza do espaço
e em jardins falsíssimos
isto vai, caro amigo.
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